17/07/2025

Advocacia se mobiliza contra limite no pagamento de precatórios dos estados e municípios

Por: José Higídio
Fonte: Consultor Jurídico
A advocacia se mobiliza para tentar barrar a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 66/2023, que limita os pagamentos de precatórios dos
municípios e estados. O texto, que também acaba com o prazo para quitação
desses precatórios, foi aprovado pela Câmara nesta terça-feira (15/7), voltou ao
Senado devido às alterações promovidas pelos deputados e já foi aprovado em
primeiro turno pelos senadores nesta quarta (16/7). Para ser promulgado, ainda
precisa ser aprovado em segundo turno.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu e enviou
à Câmara, na última semana, uma nota técnica que apontou
inconstitucionalidades na PEC. Os presidentes das 27 seccionais também
assinaram o documento. Além disso, a OAB-SP está fazendo pressão no
Senado contra a aprovação da proposta.
A PEC restringe os pagamentos dos precatórios dos estados e municípios a
diferentes percentuais da receita corrente líquida (RCL), que variam conforme
a razão entre o estoque de precatórios atrasados e a RCL. O texto atual ainda
retira qualquer limite de tempo para a quitação desse estoque.
Marco Antonio Innocenti, sócio-diretor do escritório Innocenti Advogados e
presidente da Comissão de Estudos de Precatórios do Instituto dos Advogados
de São Paulo (Iasp), explica que a PEC reduz o valor dos repasses. Ou seja,
estados e municípios poderão pagar valores de precatórios menores do que
pagam hoje.
E isso pode ser feito para sempre, pois a dívida de precatórios deixa de ser
equacionada ao longo do tempo. “Virou um regime especial eterno”, diz.
Segundo ele, se a proposta for aprovada, os estados e municípios poderão “se
endividar à vontade”. Basta que depositem o percentual (apontado como baixo)
da RCL fixado no texto. Ele varia de 1% a 5%.
Como os entes vão pagar um valor menor do que o atual, Innocenti indica que
a quitação dos seus estoques de precatórios demorará muito mais. Na prática,
eles nunca devem ser quitados.
“O estado nunca mais vai ser obrigado a quitar toda a dívida. Nunca mais essas
dívidas serão pagas. Eles vão pagar todo ano o percentual da RCL e acabou a
obrigação deles. Para sempre”, afirma.
Nota da OAB Nacional
Na manifestação enviada aos deputados, o Conselho Federal da OAB disse que
a PEC tem inconstitucionalidades já reconhecidas pelo Supremo Tribunal
Federal na análise de outras emendas constitucionais (ECs) sobre precatórios.
De acordo com a OAB, a proposta de limitar os pagamentos de precatórios,
conforme a capacidade fiscal de cada estado ou município, viola a coisa julgada
e o princípio da separação dos poderes, pois permite “que o Executivo (dos
estados e municípios) interfira na efetividade das decisões judiciais”.
O STF constatou violações a essas mesmas garantias constitucionais ao declarar
a inconstitucionalidade de diversas previsões da Emenda Constitucional
62/2009 (ADI 4.357 e ADI 4.425).
Mais recentemente, também por constatar violações de direitos e garantias dos
credores de precatórios, a corte declarou inconstitucionais os trechos das ECs
113/2021 e 114/2021 que limitavam o pagamento dessas verbas.
“A imposição de limites percentuais baseados no estoque de precatórios, sem a
garantia de que o pagamento ocorrerá de forma justa e em tempo razoável,
poderá ser interpretada como uma nova tentativa de adiar o cumprimento de
obrigações constitucionais, em contradição direta com os preceitos firmados
pelo STF, tentando constitucionalizar, mais uma vez, o calote nos precatórios”,
diz a nota técnica da OAB.
Para a entidade, a nova PEC também viola a isonomia entre os credores ao
flexibilizar o pagamento dos precatórios com base na capacidade de cada
município ou estado. Isso porque tais critérios criarão condições de pagamento
piores para os credores de entes com maior estoque de precatórios ou menor
RCL.
Na avaliação da OAB, esse tratamento desigual “afronta a lógica constitucional
de paridade entre os jurisdicionados”.
Seccional complementa
A OAB-SP atua no Senado para barrar a aprovação da PEC. Na segunda-feira
(14/7), a seccional paulista divulgou uma nota técnica própria contra o texto.
“Os dispositivos que alteram a legislação em vigor são flagrantemente
inconstitucionais, face aos reiterados posicionamentos do STF a respeito do
tema”, destaca o presidente da Comissão de Assuntos Relativos aos Precatórios
Judiciais da OAB-SP, Vitor Boari.
A nota técnica, assinada por Boari, diz que a imposição de limites ao pagamento
dos precatórios sem garantia ou prazo de pagamento “será interpretada como
uma nova tentativa de calotear os credores”.
Além dos limites e do fim do prazo para quitação, a proposta também diminui
a correção monetária dos precatórios. Atualmente, ela é feita pela taxa Selic. Já
o texto em discussão no Congresso quer retomar a correção pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais juros de 2% ao ano.
A seccional vê tal previsão como “um verdadeiro confisco”, já que o poder
público seguirá cobrando débitos de seus contribuintes pela Selic, mas pagará
suas dívidas de precatórios com um índice “infinitamente menor”.
Segundo Boari, a proposta, nesse ponto, viola o entendimento do STF de que
os juros, nesses casos, devem ser os de poupança, previstos na Lei 11.960/2009.
Mais um calote
Innocenti descreve a proposta como “um absurdo” e “um escândalo”. “É o
maior assalto aos credores de precatórios da história”, diz. “É a pior PEC que
já foi pensada no Congresso para precatórios. É a institucionalização do calote.”
Ele afirma que ela é inconstitucional, pois modelos semelhantes já foram
classificados dessa forma pelo STF. Mesmo aqueles modelos, ressalta, ainda
tinham algum prazo final para o regime especial de precatórios, diferentemente
da PEC 66/2023.
Para Innocenti, a medida estimula o gestor a não pagar os precatórios, deixar a
dívida correr e contrair mais débitos: “Estados e municípios vão ser
desestimulados a equacionar seus débitos em precatórios e se sentirão livres
para não pagar, ficando ainda mais endividados do que estão hoje.”
A PEC, na sua visão, é, além de tudo, desnecessária. Um estudo da Câmara de
Gestores dos Tribunais de Justiça aponta que menos de 6% dos municípios
devedores de precatórios enquadrados no regime especial não conseguem pagálos
até o fim de 2029. No caso dos estados e do Distrito Federal, entre as 21
unidades federativas no regime especial, apenas três não conseguem cumprir o
prazo.
O advogado também concorda que a mudança na correção é confiscatória e
inconstitucional, pois a taxa de juros de 2% é considerada muito baixa.
Atualmente, “a única segurança que o credor tem em relação aos seus
precatórios, já que ele não tem nenhuma expectativa de receber, é que o valor
não vai se deteriorando ao longo do tempo”.
O fato de que os entes federados fazem cobranças com a Selic, mas pagariam
menos nos precatórios, também preocupa o advogado. Para ele, a remuneração
deve ser a mesma nas duas situações. Do contrário, viola-se a isonomia.
O advogado Fernando Facury Scaff, professor de Direito Financeiro da
Universidade de São Paulo (USP), não considera que a PEC é inconstitucional,
mas concorda que a criação de um teto de pagamento é ruim, pois fará com que
os estados e municípios deixem de pagar os precatórios. “É uma pedalada”, diz.
“O calote é ruim”.
Por outro lado, ele destaca que a PEC permite o enquadramento dos juros
como dívida financeira e classifica tal ponto como positivo.